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O que há por trás do discurso de Temer






O discurso político falacioso, tradicionalmente, é permeado de estratégias verbais que visam demonstração de carisma para envolver a população e o escape durante os momentos comprometedores das entrevistas e dos debates.
Resolvi propor aqui um paralelo entre o vídeo divulgado em redes sociais por Temer no dia 6 de abril, defendendo a reforma da previdência, sobre o qual Glauco Faria redigiu uma análise muito interessante para o portal Previdência Brasil, e a famigerada entrevista no programa Roda Viva no fim do ano passado. Ficando a parte do leitor de acessar o link do texto de Glauco[1], exporei a seguir, como paralelo a ele, a análise do discurso de Temer na Roda Viva.
O Programa Roda Viva, da TV Cultura, do dia 14 de novembro de 2016 foi visibilizado como cosmo do desmonte[2] da comunicação pública, descrito no artigo de Heloísa Machado, o que justifica a escalada harmoniosa ao atual governo de jornalistas dos veículos midiáticos O Globo, Folha, Estadão e Veja para entrevistar Michel Temer. Apesar de alguns tropeços enunciativos por desconhecimento do entrevistado, manobras verbais cirúrgicas foram por ele realizadas ao longo do programa.
Quando questionado sobre a reforma do ensino médio e a PEC 55, Temer iniciou pela tática da via que se perde e “se esquece” no caminho: Falou das realizações de sua gestão que não ligam diretamente à pergunta feita e de seu feito de aproximar o governo do congresso. Como o caminho escolhido pelo discurso é extenso, obviamente Temer conseguiu evadir-se da questão da PEC do teto de gastos, apenas dando a pincelada frouxa pela alteração no PLN1/2016, logo que assumiu o governo, solicitando autorização para aumento do déficit, que, segundo ele, só é votada pelo senado com 10 a 15 depois que recebem. No entanto, na realidade, chegou à CMO e foi votado no mesmo dia, passando pelo congresso já no dia seguinte, portanto não demorou mais que duas semanas para ser aprovado.
Após duas outras perguntas da Roda Viva, para arejamento mental de Temer, voltou-se a questionar a interrogação não respondida sobre a PEC 55, seguida pela questão do FIES e do PROUNI. Temer costuma decidir qual o melhor caminho para começar a responder sobre o assunto colocado. Desse modo, notamos que novamente ele não opta por começar pela PEC 55. Escolheu citar o FIES, programa de financiamento estudantil, referindo que ampliou o programa em 75 mil novas bolsas. Não passou pelo nome PROUNI, portanto questionamo-nos se ele realmente sabe exatamente sobre o que está respondendo ou na “melhor” das hipóteses, encontrou a rota de escape viabilizada no menor intervalo de tempo possível. Temer enxotou mais uma vez da questão da PEC e tentou deslegitimar as ocupações, proferindo articuladamente que na sua época, primeiro se aprendiam operações matemáticas, depois se debatiam intelectualmente os problemas da educação.
Temer modula, ao longo da entrevista, um discurso na entonação desleixada, como modo de desqualificar as perguntas e colocações dos membros da roda. A tática do colarinho branco[3]é o tom sutil do refinado deboche, que busca desviar o foco de suas próprias falhas, transferindo-o para a sutil ideia de que as perguntas foram mal colocadas. Vimos, como alertou Foucault[4], que “a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade”.
Apesar da amistosidade com Temer e sendo favorável ao fato do governo ser produto tácito do desmonte da comunicação pública, a roda colocou perguntas, em certo sentido, bem formuladas, abrindo espaço para Temer se expor. Exposição que, para bem ou para mal do presidente, podemos julgar um prato cheio para leitura de escavação para impulsionar e direcionar as lutas populares.
A leitura do discurso do entrevistado revela o uso cirúrgico do deboche da questão da liderança. A forma como Temer coloca a questão da liderança traz a ideia de fragilidade das lutas populares, reforçando a de um maqueamento populista dos líderes, na tentativa de promover o apagamento do caráter da voz das massas, configurativo do papel dos líderes. Quando Temer reforça a ideia da “eficiência”, como produto de uma concepção de que é preciso “bons” resultados, mas sem considerar publicamente em sua fala quem são os verdadeiros beneficiados desses “bons resultados”, e debocha mais à frente do papel das greves, ele alcança um nível primoroso de tecitura das gamas estratégicas mortiças de distorção. Outro exemplo das escolhas estratégicas verbais de Temer é também o deboche da alteridade no tocante à Venezuela, para onde o envio de remédios foi recusado pelo próprio país. As respostas são classificadas e solicitadas pela roda, apreendida ao longo do tempo decorrido da entrevista bem como instrumentalizada previamente, de acordo com seu caráter jurídico ou político, de modo a direcionar as respostas de Temer, que, conhecidamente, usa de sua argúcia tática na colocação de suas respostas. Tal aplicação de enunciados por Temer trata do feito de uma função[5] que cruza um domínio de estruturas e de unidades possíveis e que faz com que apareçam, com conteúdos “concretos”, no tempo e no espaço na ocasião televisivo de alcance aberto.
O que o programa Roda Viva produziu tendenciosamente, não precisa ser visto, fundamentalmente, como defesa ou propaganda do governo Temer, mas, em primeira instância como aplicação do uso da cordialidade para o atual presidente direcionada, para que ele exprimisse o máximo possível de seus posicionamentos na transmissão. O julgamento fica a cargo do espectador preparado na possibilidade de fazer a leitura dos enunciados do entrevistado. Na hipótese de que se o programa tivesse posicionado de maneira parcial opositiva, o que por motivos lógicos de origem EBC atualizados não iria acontecer, certamente haveria bloqueios por parte do entrevistado. Assim, apesar do desvio em resposta já ser uma resposta quanto às falhas e impopularidade das propostas, garantir por meio da cordialidade que o entrevistado se expresse contribui para tornar esses lapsos nebulosos mais claros e possibilita a escavação dos enunciados. Apesar da tortuosidade das informações expressas, o papel do programa pareceu dinâmico para que a nebulosidade desse governo tenha aberta a cortina de fumaça, para que então os movimentos e lutas possam mais detalhadamente se instrumentalizar e se fortalecer.
No making off artesanal do programa, os membros que compuseram a roda exprimiram que foi uma ótima entrevista, a qual pode até ter sido realmente boa, pela aplicação racional da cordialidade e da dose de imparcialidade que foram capazes em meio à tendenciosidade e por terem conseguido extrair o máximo de informações polêmicas do entrevistado. O próprio entrevistado se expôs de modo que suas intenções pudessem ser lidas no corpo dos enunciados e nas entrelinhas, para que a escavação pelo espectador forneça a visibilidade dos aspectos nebulosos e às intenções abusivas do governo. Está aí: Temer autoentregue de bandeja para os brasileiros na TV aberta.
A jornalista Eliane Cantanhêde da TV Cultura, em sua fala no making off sobre as questões pessoais abordadas no programa de modo, disse de modo bem humorado que “de romance o presidente entende muito bem”. Ou seja, trata de uma informação off, mas que traz uma “desinformação” cirúrgica involuntária, com relação àquilo excluído do que ele deveria entender e sentir: Os projetos que retiram direitos dos brasileiros e os efeitos catastróficos da propagação temerosa neoliberal sobre as questões humanas essenciais.




[1] Faria, Glauco. Vídeo de Temer mostra que desinformação é estratégia para aprovar PEC 287. Previdência Brasil. 9 de Abril de 2017.
[2] Machado, Heloisa. Desmonte da comunicação pública promove propaganda do governo. The Intercept Brasil. 17 de Novembro de 2016.
[3] Appelbaum, Richard P. & Chambliss, William J. (1997) Sociology: A Brief Introduction. New York: Longman.
[4] Foucault, Michel. (1971) A Ordem do discurso. Paris: Gallimard.
[5] Foucault, Michel. (1984) A arqueologia do saber. Paris: Gallimard.



IANA PIRES - Mestre em Ciências (USP) e pesquisadora
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